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A representatividade da música eletrônica: uma voz ao diferente e à coletividade

Atualizado: 10 de out. de 2022

A sociedade mundial vive um momento crítico. Textos profundos e reflexivos sobre temas diversos, que se propõem a debater opiniões de qualquer ordem, passaram a ser taxados jocosamente de “textões”. Teses que combatem pré-conceitos estabelecidos, que desejam permanecer imutáveis, são classificados como “lacração”. Enfrentar a cultura de menosprezo de segmentos da sociedade sempre tratados à parte da maioria é definido como “mimimi”.


Não deixa de ser algum tipo de preconceito estas catalogações, que pretendem reduzir ainda mais o pensar, as minorias, o diferente, para simplesmente proteger um estabelecido que, muitas vezes, prende seu argumento no simples fato de tudo “ter sido sempre assim”, ou a não capacidade se aceitar o novo que, em diversas situações, fere mentes incapazes de abrirem-se. Que pensariam figuras como Einstein, Tesla, Jesus, nos dias de hoje... Na verdade, a resposta acaba sendo simples: não seria nada diferente daquilo que viveram em suas vidas, às suas épocas.


E que o universo da música eletrônica tem a ver com isso?


Vale a pena resgatar o porquê da e-music ter surgido, no início do século XX. Ela nasceu com a proposta de ser um contraponto à música orgânica convencional, na esteira do movimento modernista a partir de 1910. Por meio da música, buscava-se, nesta nova proposta artística, maneiras revolucionárias de criação e interpretação de melodias, harmonias, ritmos e, principalmente, sonoridades. Uma necessidade de progressão natural da arte como um todo.


Obviamente, neste sentido, a música eletrônica, conforme era concebida e evoluiu, sofreu tremendo preconceito. Em seu início, ela não tinha qualquer semelhança com a estética que ouvimos hoje: focava-se, a partir da Música Concreta, em exploração, filosofia, criação. Durante seu processo de concepção e desenvolvimento, os musicistas tradicionais simplesmente abominavam aquilo. Tratavam tudo como “barulho”.


A partir do advento da música eletroacústica, o surgimento dos sintetizadores e sua popularização, através da audácia de cientistas em universidades e finalmente de Robert Moog, e o uso dos novos instrumentos musicais por alguns artistas visionários, como Rick Wakeman e, mais tarde, Kraftwerk, a música eletrônica inseriu-se no contexto pop, mas ainda sem tanta valorização. Além de seus sons serem incompreendidos, os artistas que os exploravam muitas vezes nem mesmo eram tratados como músicos.


Com a participação fundamental e decisiva do movimento negro na Jamaica e, mais tarde, nos Estados Unidos, a música eletrônica finalmente ganhou seu suíngue único para as pistas, além de manter seu amor às timbragens. Logo, tornou-se então um hino de minorias: dos pobres e negros americanos e não americanos dos subúrbios dos EUA, do então muito pequeno movimento GLS (sua nomenclatura antiga), dos classificados alternativos de qualquer ordem. Enfim, a música eletrônica superou conservadorismos obtusos para progredir, avançar, e hoje, enquanto arte, tornar-se imprescindível não apenas para quem gosta do gênero musical, mas também para a publicidade, o universo gamer, para trilhas sonoras de filmes, séries, animações; além de ser amplamente estudada para fins reflexivos, medicinais, e tantos outros.


Resumi bastante o contexto histórico para que ficasse claro o ponto fundamental: a música eletrônica, desde seu surgimento, ergueu-se como sinfonia da evolução de um movimento que, àquele tempo, buscava oferecer frescor e inventividade para a música, às artes. Enfrentou incompreensão, desinformação, desinteresse, preconceito, exclusão e indiferença. Graças à união de segmentos que também lutavam por inclusão e participação, ela, e tais segmentos sociais também, avançaram sem suas agendas. De forma que, hoje, a música eletrônica movimenta não apenas dinheiro, mas sobretudo emoções e sentimentos.


Seguidores que deturpam as bases elementares do segmento, seja na e-music ou em qualquer outro ambiente, sempre existirão, e cabe àqueles que realmente entendem as mensagens e filosofias dos espectros que participam trabalharem para que tais confusões, deliberadas ou não, sejam elucidadas, esclarecidas, separando fundamentalistas de moderados.


Neste sentido, o universo da música eletrônica precisa, assim como qualquer outro, constantemente progredir, auto avaliar-se e depurar-se sempre, e para isso deve desapegar-se de conceitos preestabelecidos. Este é seu mantra, seu lema, sua razão de ser.


Nós, enquanto artistas da música eletrônica, vivemos um momento em que nossa voz precisa, antes de ser ouvida, ser melhor definida. Raríssimos são os casos de DJs ou produtores mundiais que levantam bandeiras de proteção à diversidade ou contra o conservadorismo que bloqueia desenvolvimentos em geral. Também raros são os artistas nacionais de nosso gênero que se propõem a isso, preferindo a zona de conforto da omissão e silêncio, usando a música eletrônica como subterfúgio. Porém, deveriam lembrar-se que ela foi concebida com propósito justamente contrário: dar voz a quem não a possuía. Nisso nossas referências artísticas, sobretudo as nacionais, simplesmente não atuam.


Por conta disso, acabam sendo exemplo, ao meu ver, negativo a novos DJs e produtores, já que, pelos seus atos (ou a falta deles), transmitem a mensagem de que o correto, ou o mais lógico ou mesmo melhor, é não dizer nada, para evitar problemas. E, a partir disso, os problemas crescem e crescem, sem que as vozes que poderiam, e deveriam, fazerem-se ouvir e transmitir filosofias e reflexões produtivas e esclarecedores ajam de alguma maneira, preferindo trancafiarem-se em seus estúdios, alegando algo como “não tenho nada a dizer”, ou “isso pode manchar minha imagem” e “esse problema não é meu”.


Há, ainda, quem entenda que política e arte não devam se misturar. Aquele que levanta esta tese claramente desconhece o universo artístico de todos os tempos, qualquer segmento que seja, e nem mesmo compreende a própria Arte e a razão de sua expressividade e, em última análise, sua existência.


Por isso, meu convite a você, DJ e produtor, é para que simplesmente pense, de mente aberta ("think ouside the box"). Compreenda sua real participação neste ambiente. Você pode simplesmente o estar vivendo por puro entretenimento, por exemplo, e nisso tem absoluto direito. Por outro lado, pode estar nele por desejos realmente profissionais. Em todos os casos, ambos precisam entender que a essência da música eletrônica e da discotecagem (DJing) é valorizar o diferente, o inovador, aquele que não tem voz, aquilo que pretende, de alguma maneira, trazer evolução no pensamento e ideias. De forma alguma ela surgiu desejando conservar-se inalterada ou imaculada, pois entende que seu progresso depende de sua eterna interpretação e reconstrução. Ela não se abraça a conservadorismos, e se o artista levanta bandeiras desta ordem, deve refletir se entende, de fato, o plano artístico que integra. Do contrário, apenas se trata de popularidade e status, não condizendo com a bandeira essencial da e-music. Se gosta apenas por prazer, então apenas tenha o cuidado de saber como o gênero que aprecia se tornou o que se tornou.

Música eletrônica não é apenas uma expressão individual, mas também uma voz coletiva

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